O 2,4-D foi o primeiro herbicida a ser utilizado em grande escala na agricultura. Conheça como esse herbicida funciona e obtenha a maior eficiência de controle!
Atualizada – Como proceder para aplicar 2,4-D no RS
Em razão de danos em culturas sensíveis, desde 2019, a aplicação de herbicidas auxínicos é regulamentada pelo estado. Nesse artigo, explicamos tudo o que você precisa saber – e fazer – para aplicar 2,4-D no RS.
O primeiro herbicida
Em meio a turbulência da II Guerra mundial, no inicio dos anos 40, a descoberta do 2,4-D estabeleceu novos horizontes. Um recurso para uma população faminta e subitamente carente de mão-de-obra, novo negócio para a indústria química e, uma nova ciência – a ciência das plantas daninhas.
O sigilo militar e a guerra dificultavam as comunicações científicas, mas aparentemente, o 2,4-D foi descoberto em 1941 por grupos de pesquisa independentes. Fisiologistas vegetais estavam em corrida pela descoberta de compostos reguladores do crescimento, quando observaram que doses elevadas levavam as plantas à morte. O infográfico relata a história da descoberta do herbicida (Figura 1).
A notícia da eficiência e seletividade do novo herbicida, cercada de curiosidade e até certo misticismo, logo se espalhou. Imagina poder aposentar enxadas e capinadeiras?
Em 1945, foram comercializados nos Estados Unidos, aproximadamente 415 toneladas, com aumento para 2.48 mil toneladas em 1946 e mais de 6 milhões em 1950. A esta altura, o mercado já dispunha de mais de 30 marcas! Hoje, herbicidas respondem pela maior proporção no uso de pesticidas e o 2,4-D, apesar dos seus quase 80 anos e inúmeros outros ingredientes ativos disponíveis, permanece entre os herbicidas mais vendidos.
É a auxina sintética mais utilizada, sendo, globalmente, pulverizado em mais de 160 milhões de hectares. Para fins de comparação, cabe ressaltar que o herbicida glifosato responde por 477 milhões de ha (Busi et al., 2018).
Como o 2,4-D controla as plantas?
O herbicida é um mimetizador de auxinas, pertencente ao grupo O, segundo o HRAC-BR. E, embora seu modo de ação ainda não esteja completamente elucidado, em nível molecular, três eventos principais são bem caracterizados. Ocorre a alteração da plasticidade da parede celular, alteração no conteúdo de proteínas e aumento na produção de etileno.
Fisiologicamente, primeiro ocorre a estimulação de crescimento anormal, como resultado da elongação celular e a iniciação da expressão gênica, conduzindo a sintomas como encurvamento do caule (epinastia) e entumescimento dos tecidos. Em adição, ocorre a up-regulação de genes envolvidos na biossíntese de ácido abscísico (ABA) e de genes que codificam enzimas associadas com a regulação do etileno.
Posteriormente, ocorre a inibição do crescimento anormal e respostas fisiológicas como o fechamento dos estômatos e a produção de espécies reativas de oxigênios (ROS, em inglês). Depois disso, senescência e morte celular, colapso de cloroplastos e necrose dos tecidos levam a planta à morte dentro de 3 a 5 semanas.
Os caules retorcidos, encarquilhamento de folhas devido às alterações nas nervuras (Figura 2), engrossamento de raízes, obstrução e desintegração dos tecidos condutores estão entre os sintomas.
Usos do 2,4-D
É usado para o controle de plantas daninhas eudicotiledôneas (folhas largas). Posicionado como herbicida pós-emergente em culturas como trigo e outros cereais de inverno, milho e arroz, além de pastagens formadas por gramíneas. Injúrias podem ocorrer como resultado da aplicação em períodos de intensa divisão celular e rápido crescimento da planta. Consequentemente, o estágio indicado para a aplicação é entre três a quatro perfilhos, antes da elongação do colmo.
Com o advento da semeadura direta, o 2,4-D passou a ser posicionado em pré-plantio, para o manejo da população daninha que emerge antes da semeadura de culturas como soja e algodão. Isso deve-se, principalmente, aos crescentes e numerosos casos de resistência ao glifosato.
Além disso, em baixas concentrações, é utilizado como regulador de crescimento.
Características físico-químicas
O ácido 2,4-diclorofenoxiacético, nome químico do 2,4-D, pertence ao grupo químico dos ácidos ariloxialcanóicos, sendo comercializado no Brasil sob 79 marcas comerciais. Os dados são do Sistema de Agrotóxicos Fitossanitários (AGROFIT) do Ministérios de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). As demais características físico-químicas do 2,4-D estão na figura 3.
O 2,4-D é distribuído sob formulações éster, amina e colina. A primeira, solúvel em óleo, forma concentrados emulsionáveis e devido a maior tendência à volatilização, teve o uso proibido no Brasil.
A formulação amina é a atualmente disponível. Solúvel em água, dissocia e a parte ácida, carregada negativamente, pode reagir com cátions em água dura. Consequentemente, diminuindo a disponibilidade do herbicida e podendo formar complexos que precipitam e obstruem as pontas de pulverização.
A formulação colina, que oferece menores riscos de movimento para fora do alvo está sendo comercializada em países onde cultivares tolerantes ao herbicida já estão em uso. No Brasil, o registro de 2,4-D sal de colina, em mistura formulada com glifosato sal de dimetilamina foi deferido em 2018.
O risco potencial de movimento para fora do alvo do herbicida 2,4-D é fortemente associado com a formulação, com as condições ambientais no momento da aplicação e configurações inadequadas do pulverizador (pontas, vazão, velocidade, etc). Para entender como ocorre a deriva de herbicidas e como minimizá-la, clique aqui.
No Rio Grande do Sul, normas regulamentam a aplicação de 2,4-D em função dos prejuízos causados em culturas como videira e oliveira. Saiba mais aqui.
Comportamento nas plantas
Estruturalmente similar ao ácido indolacético (AIA), também comporta-se na planta como uma auxina (Figura 4). Porém, a ação herbicida do 2,4-D decorre da incapacidade das plantas de metabolizá-lo prontamente.
É absorvido pelas raízes, caules e folhas, sendo a rota preferencial, influenciada pela polaridade da formulação. É translocado para as regiões de crescimento das plantas e acumula-se nos meristemas devido a armadilha iônica.
Transporte ativo, via carregadores de auxinas também ocorre. A baixa afinidade do herbicida com os carregadores que transportam as auxinas para fora da célula, faz com que grandes quantidades de 2,4-D sejam acumuladas no seu interior.
Diferenças na composição e espessura da camada cerosa e idade das folhas, espécie, estádio da planta e o ambiente também influenciam na absorção e translocação do herbicida.
Seletividade
Embora ainda não totalmente elucidada, a tolerância ao 2,4-D tem sido atribuída como resultado da menor translocação e distribuição diferencial na planta. Também, as diferenças na translocação entre espécies sensíveis e tolerantes estão relacionadas ao metabolismo do herbicida. Que é mais rápido nestas últimas, onde é convertido, irreversivelmente, para formas menos tóxicas e menos móveis. Isso ocorre, por exemplo, por modificação no anel fenil e heterocíclico ou conjugação com diversos compostos. Que, posteriormente, são imobilizados em compartimentos específicos, como o vacúolo. Além disso, o herbicida também é exsudado pelas raízes de algumas espécies tolerantes.
As rotas de metabolização e seus subprodutos são comuns às monocotiledôneas tolerantes e eudicotiledôneas sensíveis. Contudo, a predominância de uma ou outra rota, consequentemente, a concentração dos metabólitos e capacidade reverter a reação difere. Assim, nas espécies sensíveis, o pool de 2,4-D ativo, ou passível de tornar-se ativo, é sempre maior, possibilitando que os efeitos tóxicos sejam expressos.
Além disso, estudos moleculares visando a identificação de receptores para a auxina vem apontando outras causas, relacionadas ao sítio de ligação, para o espectro de ação desse herbicida.
De maneira geral, plantas daninhas anuais e culturas das famílias Asteraceae, Leguminosae, Cruciferae e Convolvulaceae tendem a ser mais sensíveis ao 2,4-D. Entretanto, Solanaceae, Labiatae e Polygonaceae toleram mais o herbicida.
Comportamento no solo
Uma vez no solo, o herbicida é passível de absorção pelas raízes. No entanto, pode sofrer degradação microbiana em solos úmidos. A taxa do processo é acelerada com o aumento da temperatura, umidade, pH e conteúdo de matéria orgânica. Assim, pode ocorrer fitotoxicidade quando o 2,4-D é aplicado de 1 a 4 semanas antes da semeadura de culturas sensíveis, como resultado das condições ambientais.
Fatores que afetam a performance do 2,4-D
Fatores relacionados ao ambiente, plantas e à aplicação influenciam na absorção e translocação. A absorção e translocação do 2,4-D é aumentada na luz e temperatura, dentro dos limites ótimos para a fotossíntese. Umidade relativa do ar elevada (> 70%) aumenta a absorção e a velocidade de translocação do herbicida, enquanto que o estresse por escassez hídrica reduz a absorção e a velocidade do movimento do herbicida das folhas para as regiões de intenso crescimento.
Adjuvantes alteram positivamente características da aplicação, como tensão superficial e tempo de permanência da gota, melhorando assim, a absorção do 2,4-D, no entanto, não alteram a translocação.
O pH da calda determina o estado iônico da molécula, porém influencia de forma importante, apenas a absorção, uma vez que moléculas carregadas têm maior dificuldade em atravessar a cutícula da folha e as membranas celulares.
A constante de dissociação ácida da molécula (pKa) é de 2,8, ou seja, esse é o pH da calda de pulverização no qual 50% das moléculas de 2,4-D encontram-se na forma associada (2,4-DH) e 50% na forma dissociada (2,4-D- H+). Trabalhos têm encontrado maior absorção de 2,4-D em caldas com pH entorno de 3,0 a 3,5. Uma vez dentro da planta, o pH do apoplasto e do simplasto é estável, assim, o pH na calda não interfere na translocação.
Recentemente o herbicida passou por reavaliação. Veja mais sobre a aplicação de 2,4-D e o que muda após a reavaliação da ANVISA.
Resistência de plantas daninhas ao 2,4-D
São relatados 41 casos de resistência, em nível mundial. No Brasil, em 2017, foi relatada a resistência múltipla de buva (Conyza sumatrensis) ao 2,4-D, diuron, glifosato, paraquat e saflufenacil, no estado do Paraná.
A resistência tem sido associada com reduzida translocação e transporte para dentro da célula. Além disso, alguns biótipos resistentes apresentam aumento da degradação do herbicida pelo citocromo P450.
Como toda a sequência de eventos que ocorrem após a absorção do 2,4-D ainda não está completamente elucidada, o mesmo ocorre para os mecanismos de resistência. Portanto, é possível que também ocorra resistência baseada em alterações no sítio de ligação do herbicida, ou seja, em receptores e co-receptores de auxinas.
Literatura consultada
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