A imagem mostra plantas de capim-arroz com sintomas causados pela aplicação tardia do herbicida glifosato.

Aplicações tardias de glifosato afetam o desempenho da soja RR?

O controle das plantas daninhas que se estabelecem após a execução das principais estratégias de manejo tem sido apontado como uma medida eficiente para reduzir a alimentação do banco de sementes do solo com sementes viáveis, minimizando o problema com plantas daninhas nas safras seguintes.

Assim, no final do ciclo da soja, quando escapes ou as plantas daninhas emergidas tardiamente começam a surgir no dossel e existe a oportunidade de conjugar seu controle com a aplicação de inseticidas, fungicidas e fertilizantes foliares, uma questão que sempre surge é:


Aplicações tardias de glifosato podem comprometer a produtividade da soja geneticamente modificada?


A dúvida persiste ao consultarmos as bulas dos produtos comerciais, que além da dessecação em pré-semeadura, indicam apenas aplicações em pós-emergência da cultura, nos estágios iniciais de crescimento vegetativo. Também, as indicações técnicas mais recentes para a cultura não abordam os efeitos adversos de aplicações tardias de glifosato, embora, façam breve menção a esse posicionamento do herbicida, sob o aspecto da competição de plantas daninhas com a cultura.

O uso de doses elevadas de glifosato, em torno de 2000 g de equivalente ácido  (e.a.) ha-1 e em diversos estágios da soja é prática comum entre os agricultores. Assim, é interessante relembrar:

Como o glifosato causa a morte das plantas?

Em plantas sensíveis, o herbicida sistêmico e não seletivo, que pertence ao grupo químico da glicina substituída, inibe a enzima 5-enolpiruvil-shiquimato-3-fosfato sintase (EPSPs), na rota de síntese dos aminoácidos aromáticos essenciais tirosina, fenilalanina e triptofano, os quais estão envolvidos na formação de diversos outros compostos do metabolismo secundário, como a produção de fitoalexinas e flavonóides. Logo, além dos efeitos diretos da inibição da rota, diversas outras alterações metabólicas contribuem para os efeitos fitotóxicos que levam as plantas à morte.

Em cultivares resistentes à glifosato, portadoras do gene cp4-epsps de Agrobacterium sp., ocorre a expressão da enzima EPSPs resistente ao glifosato, impedindo o efeito herbicida. No entanto, pode ocorrer a degradação do ativo e a produção de ácido amino-metil-fosfônico (AMPA), ao qual, há suscetibilidade. Como resultado de níveis fitotóxicos, efeitos no metabolismo secundário que levam a alterações na eficiência fotossintética são observados.

O exato mecanismo de ação desse subproduto ainda é desconhecido. Mas, evidências apontam diferenças em relação ao mecanismo de ação e atividade do glifosato, a molécula parental.

Em adição, alterações no balanço redox, nutrição mineral e na eficiência de uso da água, acarretando injúrias na cultura também são verificadas como resultado da exposição de soja RR ao glifosato.

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O que diz a pesquisa?

Diversos estudos avaliaram os efeitos secundários do glifosato e do AMPA sobre a soja geneticamente modificada, em sua primeira e segunda geração, quanto à:

  • Formulação do herbicida

    Glifosato formulado à base de sal de isopropilamina tem sido apontado por causar maiores efeitos adversos na soja resistente e similarmente, em microrganismos portadores de EPSPs, reduzindo o aporte de N para as plantas.

  • Dose

    Tem sido demonstrada relação linear entre o aumento da dose de glifosato e o aumento de efeitos adversos como redução da estatura, aumento da severidade de doenças, redução do número de vagens e na produtividade, etc. Em um dos trabalhos consultados, a dose de 2160 g e.a. ha-1, aplicada em V4, causou injúrias visíveis de até 43%, com redução aos 21 dias e desaparecimento dos sintomas aos 28 dias após a aplicação, em soja resistente de segunda geração.

  • Nutrição mineral

    Os resultados encontrados têm sido contraditórios. Trabalhos demonstraram interferência negativa do herbicida na absorção, translocação e conteúdo de minerais nas folhas, atribuída principalmente à natureza quelante do glifosato. Por outro lado, estudos não encontraram diferenças nos conteúdos de Ca, Mg, Mn, Zn, Fe, Cu, Sr, Ba, Al, Cd, Cr, Co, e Ni. De modo geral, os efeitos do glifosato na nutrição mineral têm sido atribuídos à cultivar, estágio de desenvolvimento (plantas jovens são mais sensíveis), condições fisiológicas e ao ambiente. O sintoma de amarelecimento das folhas, visualizado no campo, conhecido como “yellow flashing” é atribuído à nutrição deficiente.

  • Simbiose com microrganismos fixadores e metabolismo do nitrogênio

    Os microrganismos fixadores de N também possuem a enzima EPSPs, sendo portanto, suscetíveis ao glifosato, que em altas doses, pode reduzir seu crescimento e até mesmo, causar morte. O efeito tem sido relatado como dose-dependente.

  • Estresse oxidativo

    O glifosato altera o perfil de aminoácidos livres, envolvidos na mitigação do estresse oxidativo. A indisponibilidade de metais co-fatores de enzimas antioxidantes também é citada.

  • Lignina

    Mesmo soja resistente a glifosato tem mostrado menor conteúdo de lignina, quando tratada com o herbicida. Além da sustentação, qualidade funcional e morfológica dos órgãos vegetais, o reduzido teor de lignina está associado ao desbalanço hídrico e nutricional, além de maior suscetibilidade a patógenos.

  • Doenças

    A sequência de estresses causados pelo herbicida, principalmente a diminuição de fitoalexinas e flavonóides, é vista como um “potencializador” para o aumento da severidade de doenças. Ainda, o uso do herbicida tem sido relacionado com maior incidência de fungos de solo que causam tombamento de plântulas.

  • Atividade fotossintética

    A formação de complexos estáveis de glifosato com cátions como o Mn e Ca, assim como, a redução da disponibilidade de aminoácidos associados ao fotossistema II, podem explicar a redução da atividade fotossintética em soja exposta ao herbicida. Além disso, o AMPA pode inibir a síntese de precursores da clorofila.

  • Estádio de desenvolvimento

    Em trabalhos avaliando o efeito de doses crescentes de glifosato aplicadas em V6 ou R2, como resultado, o número de vagens, a massa de 100 sementes e a produtividade reduziram em função do aumento da dose, independentemente do momento da aplicação. Porém, os teores de óleo e proteínas foram menores quando o herbicida foi posicionado em R2. Em outro trabalho, a aplicação em pleno florescimento diminuiu a produtividade.

Em conclusão, estudos sugerem que o abortamento de flores e vagens na cultura da soja é devido, primariamente, à competição por fotoassimilados e nutrientes entre os órgãos em crescimento. Assim, os efeitos adversos causados por níveis fitotóxicos de glifosato e AMPA, aplicados tardiamente, podem potencializar as perdas.

Dessa forma, o ideal é que as aplicações, sempre que possível, sejam realizadas antes do florescimento. Uma vez que, no estádio reprodutivo as demandas da soja são maiores e o estresse pode vir a impactar a produtividade.

O que deve ser considerado nas aplicações tardias de glifosato?

Controle tardio de capim arroz com glifosato 1 - Aplicações tardias de glifosato afetam o desempenho da soja RR?
Aplicação tardia e localizada de glifosato em plantas de capim-arroz.

O controle de escapes é uma prática muito importante para evitar a chuva de sementes e a distribuição destas pela área, durante a operação de colheita. Porém, a escolha da estratégia a ser utilizada deve ser criteriosa, pois a pesquisa tem demonstrado que efeitos adversos de aplicações tardias de glifosato podem ocorrer, mesmo em soja resistente. Uma alternativa é o controle localizado.

Outro ponto a considerar, é a espécie, ou espécies, em questão. Escapes de plantas daninhas que produzem elevado número de sementes, são de difícil controle ou já possuem resistência confirmada, como buva e capim amargoso, devem ser monitorados de perto! E nesse caso, possivelmente seja interessante priorizar o controle, mesmo que algum custo seja imposto à produtividade. Porém, será o glifosato o herbicida mais indicado para essa situação?

Além disso, o controle pode ser deficiente, devido ao estágio das plantas daninhas e menor cobertura do alvo, podendo contribuir para a seleção de biótipos resistentes. Certamente, sempre que possível, o controle de plantas jovens apresenta os melhores resultados.

Ainda, o período de carência do produto comercial utilizado para a operação deve ser observado.


Curiosidade sobre aplicações tardias de glifosato


Em materiais de extensão de universidades americanas como, por exemplo, Iowa State University e Michigan State University e no blog da Illinois Soybean Association, a recomendação é de que aplicações tardias de glifosato sejam realizadas no máximo até o florescimento pleno (R2), estádio no qual há uma flor aberta em um dos dois últimos nós da haste principal com trifólio completamente desenvolvido. Além disso, existe a indicação para que as aplicações em pós-emergência da soja não excedam a dose de 2520 g de e.a. ha‾¹ de glifosato, durante o ciclo da cultura.

Literatura consultada:

ALBRECHT, A. J. P. Behavior of soybeans subjected to different formulations and rates of glyphosate in the reproductive period. Planta Daninha, v. 32, n.4, p. 851-859, 2014.

ALBRECHT, L. P.; ÁVILA, M. R. Manejo de glyphosate em soja RR e a qualidade das sementes. Inf. Abrates, v. 20, n. 2, p. 45-54, 2010.

ALBRECHT, L. P. et al. Desempenho da soja Roundup Ready sob aplicação de glyphosate em diferentes estádios. Planta Daninha, v. 29, n. 3, p. 585-590, 2011.

DUKE, S. O. Glyphosate degradation in glyphosate-resistant and susceptible crops and weeds. Journal of Agricultural and Food Chemistry, n. 59, p. 5835-5841, 2011.

GOMES, M. P. et al. Alteration of plant physiology bu glyphosate and is by-product aminomethylphosphonic acid: an overview. Journal of Experimental Botany, v. 65, n. 17, p. 4691-4709, 2014.

KRENCHINSKI, F. H. et al. Glyphosate affects chlorophyll, photosynthesis and water use of four Intacta RR2 soybean cultivars. Acta Physiologiae Plantarum, v. 39, n. 63, p. 1-13, 2017.

SALVADORI, J. R. et al. Indicações Técnicas para a Cultura da Soja no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina, safras 2016/2017 e 2017/2018. UPF Editora. Passo Fundo, 2016, 128 p.

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