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Considere a herança da resistência a herbicidas nas decisões de manejo

Sempre que falamos em genética, lembramos da cor dos olhos. Afinal, como pode filhos de pais com olhos castanhos terem olhos azuis ou verdes?! Semelhante pode ocorrer na herança da resistência a herbicidas. Afinal, como pode uma planta daninha sobreviver a herbicidas aos quais nunca foi exposta antes?

Assim, entender a herança da resistência a herbicidas é fundamental para orientar assertivamente as práticas de manejo de plantas daninhas.

E como ninguém quer a lavoura dominada por plantas daninhas resistentes, vamos explicar simplificadamente como funciona! Nesse artigo, você vai saber mais sobre:

  • O que é e quais são os mecanismos de resistência a herbicidas.
  • Como ela é transmitida aos descendentes.
  • Como o manejo influencia na velocidade de evolução, dispersão e dominância da resistência nas plantas daninhas da sua lavoura.

Entenda a resistência a herbicidas

Imagine uma população de plantas daninhas exposta a um herbicida qualquer. A maioria dos indivíduos morre, porém alguns sobrevivem, se recuperam e deixam descendentes no banco de sementes do solo.

Essas sementes germinam e estabelecem plantas, que novamente são expostas ao controle químico. Como elas herdaram de seus parentais a habilidade de sobreviver a herbicidas, novamente produzem descendentes, aumentando progressivamente o número de indivíduos resistentes na população. E sucessivamente… até a lavoura ficar assim:

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Dessa forma, resistência é a habilidade herdada de sobreviver e se reproduzir, mesmo após a exposição a uma dose de herbicida que é letal para os outros indivíduos da mesma espécie.

Ou seja, a resistência é resultado da capacidade das plantas daninhas, de se adaptar à intensa pressão de seleção exercida pelos herbicidas. Convém observar que existe alta variabilidade genética entre as plantas daninhas e qualquer alteração que permita a sobrevivência a herbicidas altamente eficientes, irá se destacar na população.

Semelhante ocorre para indivíduos tolerantes. Eles também sobrevivem e transmitem essa característica para seus descendentes. No entanto, essa é uma habilidade inata à toda a espécie, ou seja, todos são tolerantes. É o caso, por exemplo, das cordas-de-viola em relação ao glifosato.

No caso da resistência, há indivíduos suscetíveis e resistentes na mesma população. E ainda, com diferentes graus de resistência. Saiba mais em “Sinais da resistência a herbicidas: você sabe identificar?

Mecanismos de resistência a herbicidas

Para fins de estudo, os mecanismos que permitem a sobrevivência de plantas daninhas expostas a herbicidas são divididos entre alterações no local de ligação e aqueles que impedem que o herbicida chegue, em concentrações letais, até ele. No entanto, podem ocorrer simultaneamente.

Resistência baseada em alterações no sítio de ligação do herbicida

Alterações no gene que codifica a proteína onde o herbicida se liga, mudam a sua conformação, fazendo com que o “encaixe” não seja mais perfeito. Ou ainda, inviabilizando a ligação. Explicamos esse processo de forma bem didática no artigo “Entenda a resistência ao glifosato e esteja um passo à frente“, para ler, basta clicar aqui.

Ainda, pode ocorrer a super “produção” do sítio de ligação, produzido um efeito compensatório, apesar da inibição pelo herbicida.

Esse mecanismo de resistência é, predominantemente, controlado por apenas um gene (monogênico).

Resistência baseada em mecanismos adversos ao sítio de ligação

Diversas alterações podem impedir o herbicida de alcançar o sítio de ligação. Por exemplo, reduzida absorção e translocação, metabolismo, sequestro do herbicida e rápida necrose e queda das folhas tratadas.

Usualmente, vários genes codificam esses efeitos, que vão sendo lentamente “acumulados”, nas sucessivas exposições aos herbicidas. Há um efeito aditivo. Pense em uma série de pequenas alterações, que isoladas não possuem efeito expressivo, mas os alelos vão se recombinando até que o efeito (fenótipo resistente) seja notado. Como é controlado por diversos genes, esse efeito é poligênico.

No campo, percebe-se um aumento de plantas daninhas, cujo o percentual de controle vai reduzindo gradualmente.

Esse mecanismo de resistência está associado a resposta das plantas ao estresse. E herbicidas são uma forte fonte de estresse!

Vamos voltar para a cor dos olhos?

A cor da íris dos olhos humanos pode variar do castanho escuro até todas as tonalidades de azul e verde. Assim, é resultado da combinação do efeito de diversos alelos e genes. Um determina a quantidade de melanina na camada mais profunda de tecido, outro, na camada mais superficial da íris. A quantidade de tecido gorduroso também influencia na forma como a luz é absorvida e refletida na íris. A cor final, é resultado de todas essas interações, como na resistência a herbicidas!

Genes, alelos?!

Para entender melhor a herança da resistência a herbicidas, vamos fazer uma analogia:

Imagine uma receita. Uma receita é composta por informações referentes aos ingredientes e ao modo de preparo. Além disso, quase sempre tem mais alguma informação, como o rendimento e o tempo para a preparação.

Agora, imagine uma receita de bolo. Elas têm uma estrutura básica composta de ovos, farinha, açúcar e fermento.

Embora as vezes as informações adicionais possam ser úteis, efetivamente, são a lista de ingredientes e o modo de preparo que vão produzir o bolo. Aqui, temos o gene! É o fragmento de DNA que é capaz de gerar uma característica. Afinal, sabendo apenas o tempo de preparo você não faz um bolo!

Mas, existem versões dessa estrutura básica, com pequenas alterações nas quantidades, a adição ou substituição de algum ingrediente. Em algumas cópias da receita, até mesmo algum deles é removido. Porém, todas elas têm como resultado, um bolo. São os alelos, que, em outras palavras, são versões de um mesmo gene.

Em genética, as combinações entre os diversos alelos podem produzir características distintas, conforme as relações de dominância entre eles. Em outras palavras, se existe mais de uma “receita”, qual delas irá produzir o bolo?

Isso é importante porque influencia na velocidade com que a resistência irá se dispersar e predominar na população de plantas daninhas.

Pense em ingredientes de bolo, farinha e cacau. Se usarmos duas partes de farinha, o bolo será branco e terá sabor normal. Se usarmos duas de cacau, será marrom e terá sabor de chocolate. E, o mesmo ocorre se misturarmos os dois ingredientes. Quer dizer que, sempre que o bolo contiver cacau, mesmo que em pequenas quantidades, algum traço dele será manifestado na cor e no sabor.

Obviamente, não é tão simples assim, mas a analogia nos ajuda a compreender que o dominante (o cacau) expressa, conforme o tipo de dominância, sua característica (cor e sabor), ao ser misturado com o recessivo (a farinha).

Ocorre que a resistência a herbicidas pode ser tanto o cacau (dominante), quanto a farinha (recessiva). Dependendo, por exemplo, do herbicida e da espécie de planta daninha.

Herança da resistência a herbicidas

Em se tratando de alterações no sítio de ligação, a herança da resistência a herbicidas é um pouco mais simples.

Consequentemente, quando a resistência é herdada através de alelos dominantes, se dispersa mais rapidamente na população. Afinal, cacau + cacau = bolo marrom (resistente), cacau + farinha = bolo marrom (resistente) e farinha + farinha = bolo branco (suscetível). No entanto, a ocorrência de casos intermediários também influencia a taxa de evolução da resistência. Nesse caso, a progênie não é suscetível, mas também não apresenta o mesmo fator de resistência dos pais.

Por outro lado, quando a resistência é expressa por alelos recessivos, a dispersão ocorre mais lentamente. Nesse caso, a situação é inversa: cacau + cacau = bolo marrom (suscetível), cacau + farinha = bolo marrom (suscetível) e farinha + farinha = bolo branco (resistente). Porém, quando a planta daninha possui autopolinização, a dispersão da resistência é maior, uma vez que o autocruzamento favorece a homozigose (farinha+ farinha).

E quando a resistência não é relacionada ao sítio de ação?

Sabemos que as aplicações de herbicidas não são uniformes. Assim como o fluxo de emergência das plantas daninhas, resultando em indivíduos de tamanhos diferentes no momento da operação. Dessa forma, é muito frequente no campo, a condição onde as plantas daninhas recebem concentrações diferentes de herbicidas. E, algumas delas não são suficientes para causar a morte.

Ao sobreviverem, essas plantas daninhas vão carregando alelos dos mecanismos de resistência que impedem que o herbicida chegue ao sítio de ação. Porém, como a visualização dessa resistência (fenótipo resistente) requer o “acúmulo” do efeito menor de vários genes, são necessárias várias gerações de recombinação sexual até que a planta daninha sobreviva à dose cheia do herbicida. Assim, a evolução nesse caso é mais lenta.

Mas, não esqueça que estamos impondo seleção desde os anos 40, quando o 2,4-D inaugurou o mercado de herbicidas!

Além disso, alguns desses mecanismos de resistência também estão associados com as respostas das plantas ao estresse. E como tal, podem ser “ligados ou desligados”, de acordo com a exposição. É uma forma bastante simplificada de falar sobre epigenética. A “memória” desse comportamento é transmitida para os descendentes sem a necessidade de mutações. Dessa forma, pode acelerar a evolução desse tipo de resistência.

A localização do material genético também influencia. Se os genes que codificam as alterações são nucleares, podem ser herdados tanto pelos gametas masculinos, quanto femininos. Nesse caso, a evolução e dispersão da resistência ocorrem mais rapidamente.

Por outro lado, quando presentes no citoplasma, os genes de resistência são herdados apenas da “mãe”. Esse processo mais lento é o caso da resistência relacionada ao sítio de ação dos inibidores do Fotossistemas I e II.

Como vimos, para resistir a herbicidas, as plantas daninhas passam por uma série de adaptações.

No entanto, esses processos podem impor um custo à essas plantas, como menor crescimento e menor produção e vigor de sementes. Então, cenários são possíveis:

  1. Quando expostas a herbicidas, as plantas daninhas resistentes predominam na população, uma vez que, as suscetíveis morrem.
  2. Quando não expostas, elas são suprimidas pelas suscetíveis, uma vez que, ecologicamente, apresentam performance inferior.
  3. Quando não expostas, elas competem com as suscetíveis, uma vez que, ecologicamente, apresentam performance igual ou superior. Nesse caso, não há custo adaptativo.

Assim, as especificidades dos custos adaptativos da resistência a herbicidas não permitem fazer generalizações. Isso quer dizer que não basta parar de aplicar herbicidas e a população voltará ao estágio inicial de suscetibilidade. Um motivo a mais para não praticar o pousio!

Como a herança da resistência a herbicidas afeta o manejo?

A resistência a herbicidas é provável. Quem decide se mais cedo, ou, mais tarde, é você! Para isso, estratégias proativas devem ser contempladas no manejo, a fim de atrasar a evolução da resistência. No entanto, se já há indivíduos resistentes, estratégias para evitar a dispersão e a dominância na população são essenciais.

Logo, monitoramento e a correta diagnose da resistência são fundamentais. É resistência ou apenas falhas no controle devido a outras razões?

O cruzamento das informações relativas ao histórico de manejo da área, a biologia das plantas daninhas presentes e o recomendações baseadas em evidências científicas irão ajudar a delinear as práticas mais assertivas. Uma vez que, a dominância de plantas daninhas resistentes na população da sua lavoura depende de:

  • Fatores genéticos: frequência inicial dos alelos de resistência, relações de dominância entre os alelos e o custo da adaptação.
  • Biologia da espécie: ciclo de vida, capacidade de produção de sementes e sistema de cruzamento.
  • Herbicida: estrutura química, sítio de ligação, residual, dose e eficiência de controle.

Para saber mais sobre as características técnicas que influenciam na performance dos herbicidas, clique aqui.

Tenha em mente que o banco de sementes do solo, além de ser a principal fonte das plantas daninhas da área, é um registro do histórico de manejo. Em outras palavras, os genes de resistência também estarão lá!

E, quanto maior a população exposta a pressão de seleção, maior é a probabilidade de indivíduos evoluindo resistência.

Lembra dessa lavoura?

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Quando a resistência está presente em alta frequência, um meio de dispersão muito importante é via pólen. Além disso, o vento pode dispersar sementes por grandes distâncias. Esse é o caso do avanço geográfico de buva (Conyza sp.) resistente ao glifosato.

Por isso, é tão importante atuar em pontos críticos do ciclo de vida das plantas daninhas. Leia mais sobre essa estratégia em:

Plantas daninhas: vá além de prevenir a interferência

Culturas de cobertura fazem mais do que inibir a germinação

Economize usando a supressão de plantas daninhas a seu favor

Use o controle químico a seu favor!

Está claro que a programação do controle químico impacta a evolução da resistência. Doses, misturas, sequências, rotação, etc, ditam a velocidade do processo.

Por muito tempo o lema “rotacione mecanismos de ação” foi reforçado em se tratando de controle químico. No entanto, diante da complexidade da resistência a herbicidas, não é a regra. Os modelos e a experiência de campo tem mostrado a evolução de plantas daninhas com uma resistência “generalista”, ou seja, capazes de sobreviver a herbicidas com diferentes mecanismo de ação.

Assim, misturas de tanque de herbicidas com mecanismos de ação e também – com rotas metabólicas de degradação diferentes – podem atrasar a evolução da resistência. Porém, a eficácia de controle dos herbicidas na mistura deve ser semelhante. E, além disso, a estratégia perde eficiência se já houver resistência a um dos herbicidas utilizados.

Foi visto que a resistência não relacionada ao sítio de ação vai sendo construída lentamente. Dessa forma, doses abaixo da recomendada para o eficiente controle permitem a perpetuação dos alelos que já conferem algum nível de resistência. Mas, não o suficiente para que a planta daninha sobreviva ao controle da dose cheia. Por isso, a importância da escolha da dose e tecnologia de aplicação adequadas!

A base genética desses complexos mecanismos de resistência ainda não é completamente conhecida. Dessa forma, incluir estratégias não-químicas complementares é essencial para manter a vida útil dos herbicidas.

Literatura consultada

Délye, C. Unravelling the genetic bases of non‐target‐site‐based resistance (NTSR) to herbicides: a major challenge for weed science in the forthcoming decade. Pest Management Science, v. 69, n. 2, p. 176-187, 2013.

Délye, C., Jasieniuk, M., Le Corre, V. Deciphering the evolution of herbicide resistance in weeds. Trends in Genetics, v. 29, n. 11, p. 649-658, 2013.

Mithila, J., Godar, A.S. Understanding Genetics of Herbicide Resistance in Weeds: Implications for Weed Management. Advances in Crop Science and Technology, v. 1, n. 4, p. 1-4, 2013.

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